voltar - back - retour

 

 




 

 

Trumpeter (1991)

ISSN: 0832-6193

 

Como os computadores
 

contribuem para a crise ecológica

 


Crise ecológica significa..

   

The accelerating degradation occurring in natural systems that is undermining their ability to reproduce themselves at a sustainable level;

caused in large part by human ignorance, greed, use of destructive technologies and economic practices, population pressures, and a lack of knowledge of how to live in a sustainable ways;

the immediate and most visible aspects of the ecological crisis include global warming, the depletion of potable water, fisheries, and the loss of topsoil;

widespread toxic contamination of the environment is contributing to the acceleration of the loss of species and to an increase number of human diseases. 

a acentuada degradação acontecendo nos sistemas naturais que está arruinando as suas capacidades de auto regeneração a um nível sustentável;

é causada em grande parte pela ignorância humana, ganância, uso de tecnologias destrutivas e práticas económicas, pressão demográfica, e uma falta de conhecimento sobre como viver de um modo sustentável;

os aspectos mais imediatos e visíveis da crise ecológica incluem efeito de estufa, o esgotamento das reservas de água potável, pescas, e a deterioração de solo cultivável;

contaminação tóxica do ambiente generalizada está contribuindo para o acentuar da extinção de espécies e para o aumento do número de doenças humanas.


 

C. A. Bowers

http://cabowers.net/CAbiostate.php | http://www.ecojusticeeducation.org/

Writings on Education, Eco-Justice, and Revitalizing the Commons

Universidade de Oregon
Estados Unidos da América

 

Relatórios recentes sobre as mudanças globais em ecossistemas que sustentam a vida, tal como a edição anual State of the World do Worldwatch Institute e a edição especial do Scientific American intitulada "Administrando o Planeta Terra", suportam a ideia generalizada dos computadores serem uma das tecnologias mais importantes de que dispomos para entender a extensão da crise e os passos que devem ser dados para a atenuar. O processamento de dados científicos e a criação de modelos sobre como os sistemas naturais reagirão a mudanças adicionais causadas pela actividade humana sugerem que o computador é essencial para uma abordagem baseada em dados para entender a natureza dinâmica e interactiva de uma ecologia. Tendo reconhecido as contribuições genuínas dos computadores ao se endereçar a crise ecológica, também quero argumentar que os computadores ajudam reforçar a atitude mental que contribuiu para o impacto desproporcionado que as sociedades Ocidentais têm na degradação do ambiente. Em poucas palavras, os computadores representam uma epistemologia Cartesiana (um argumento apresentado também por Hubert Dreyfus, Terry Winograd, e Theodore Roszak), e o uso desta tecnologia reforça as orientações Cartesianas da nossa cultura — o que inclui o aspecto extremamente importante da consciência, em que o "eu" é sentido separado do mundo natural.

 

Este modo de pensar Cartesiano pode ser constatado no modo como o artigo orientador de Scientific American, "Administrando o Planeta Terra", enquadra a natureza da crise ecológica como um problema de administração mais racional do planeta. Como o autor, William C. Clark, indica, "Administrar o Planeta Terra" vai requerer respostas a duas perguntas: Que tipo de planeta queremos nós? Que tipo de planeta podemos nós conseguir?" Os itálicos foram aqui introduzidos para sublinhar como um modo  de pensar Cartesiano, com a sua ênfase em resolução instrumental de problemas, também fortalece o mito cultural, que tem raízes muito profundas na consciência Ocidental, do universo antropocêntrico (ou seja, o "homem" é a figura central e tem que tratar a biosfera como um recurso para conseguir os seus objectivos). A atitude mental Cartesiana surge na edição especial de Scientific American e nos relatórios anuais do Worldwatch Institute dum outro modo que é extremamente importante para qualquer discussão sobre como os computadores estão relacionados com o agravamento da crise ecológica. Ainda que ambas as publicações forneçam uma grande quantidade de dados, o que, de acordo com um dos cânones da posição Cartesiana, é suposto ser a base do pensamento racional, elas ignoram totalmente que a cultura é parte do problema. Na realidade, a cultura nem sequer é mencionada nestas representações da crise ecológica baseadas em dados.

 

Isto é particularmente surpreendente porque a cultura, entendida aqui como envolvendo juntamente as camadas profundas de um mundo simbólico e o conjunto completo da actividade humana que possui uma  forma distintiva pela sua sensação de ordem simbólica compartilhada, é um aspecto de toda a mudança originada pelo homem nos ecossistemas agora considerados como ameaçados. Convicções, valores, usos da tecnologia, práticas económicas, processos políticos, e por aí adiante, ainda que variando de cultura para cultura, estão directamente relacionados com o crescimento da população, redução da mancha florestal, destruição de habitats ameaçando espécies com a extinção, aquecimento da atmosfera, propagação de lixos tóxicos em linhas de água e  solos, e assim sucessivamente. A ironia é os investigadores que fornecem dados úteis e simulações em computador sobre como os sistemas naturais reagirão sob tensão adicional, também contribuírem para pôr fora de foco o papel activo que as convicções e práticas culturais jogam na crise ecológica.


 

A Crise Ecológica/Cultural

 

A frase "crise ecológica" deveria ser apresentada como a "crise ecológica/cultural". Se vista deste modo, poderemos então começar a considerar mais inteiramente a orientação cultural, que não só é reforçada pela epistemologia embutida no computador, mas também pelo modo como o computador é apresentado ao público e aos estudantes. Podemos então, também, iniciar uma discussão sobre se é ou não possível, particularmente em contextos educacionais, criar programas de software que tenham em conta os níveis profundos da cultura (inclusive diferenças entre culturas) que dão forma ao pensamento humano e ao comportamento. Esta última possibilidade, que pode estar bem além da capacidade desta máquina Cartesiana, é importante para averiguar se o computador pode ser ou não usado para ajudar a esclarecer os padrões culturais que estão degradando o habitat. Mas primeiro, nós precisamos de identificar outros aspectos da orientação cultural Cartesiana reforçados pelo computador — computador que se tornou a imagem de marca para representar a autoridade de uma forma particular de conhecimento.

 

A atitude mental Cartesiana tem características únicas que a fixaram à parte da de outras culturas que têm, de formas variadas, evoluído ao longo de caminhos que foram mais sustentáveis ecologicamente, algumas desde há muitos milhares de anos. Isto não é aqui mencionado com a finalidade de romantizar estas culturas mas para, ao invés, tirar aquele teste que verifica que uma cultura é viável pela sua capacidade em viver em equilíbrio com seu ambiente. Este teste é, talvez, simplesmente demasiado pragmático para uma cultura onde as teorias abstractas de filósofos foram consideradas, em certos círculos com poder, com mais legitimidade que as formas contextualizadas de conhecimento que evoluíram em ambientes com falta de excedentes que permitem a experimentação com ideias abstractas. Mas é o teste com o qual todas as culturas têm agora de se confrontar ao reconhecermos que a nossa margem de excedentes é crescentemente ilusória.
 

O atitude mental Cartesiana, para além de ignorar a natureza da cultura (e a sua influência no pensamento) e ter promovido a visão de um universo em que o homem é o centro, tem outros elementos distintivos reforçados pelo uso de computadores. Estes incluem o que se tornou, na consciência Ocidental moderna, a base para olhar o mundo como um objecto (isto é, a distinção de Descartes entre res extensa e res cogitans — o que também serviu para reduzir o Cosmos a uma dimensão natural), um ponto de vista do processo racional onde dados se tornam a base do pensamento comportamental e estrutural, e uma abordagem instrumental, e explícita, à resolução de problemas para um mundo que é postulado como mecânico por natureza.
 

As dimensões da vida humana ignoradas pela atitude Cartesiana correspondem ao ponto fraco dos computadores. Contrária aos mitos construídos por Descartes, Bacon, Locke, e outros pensadores deste período, uma forte posição sustenta o facto da maioria do nosso conhecimento ser tácito por natureza, aprendido como analogias que servem como modelos para experiências futuras, codificado numa linguagem metafórica que estabelece um esquema compartilhado base do pensamento, e representa uma interpretação colectiva moldada pelas narrativas épicas que constituem a base da matriz do conhecimento, próprio da cultura. Ao obtermos melhores descrições de outras visões de mundo — Hopi, Dogan, Koyukon, culturas confucianas no Extremo Oriente, e por aí adiante — fica crescentemente difícil manter a interpretação popularizada do legado de Descartes: a imagem do individuo isento de um fundo cultural e tradição, dados objectivos, e o pressuposto que assume a linguagem como um canal neutro. A sociologia do conhecimento (dentro de nossa própria tradição) e a antropologia cognitiva apontam para a base cultural do modo de  pensar e dos padrões de comportamento, e para o modo como cada grupo cultural experimenta estes padrões como parte da sua atitude nacional — isto também se aplica aos membros da nossa cultura Cartesiana cuja orientação não pode ter em conta conhecimento constituído tácita e culturalmente.

 

 

Padrões Que Relacionam o Indivíduo

 

Se nos debruçarmos sobre os escritos de Gregory Bateson, e não, por agora, sobre as descobertas da antropologia cognitiva, encontramos uma versão da existência humana expressa no idioma da ciência que desafia as fundações conceituais da atitude mental Cartesiana e que, ao mesmo tempo, aponta para a possibilidade de culturas primordiais (como a Hopi, Koyukon, aborígenes da Austrália, entre outras) poderem ter adoptado vias de desenvolvimento que são mais ecologicamente sustentáveis. Ao contrário da abordagem Cartesiana moderna, que vê o processo racional como algo que acontece na cabeça de um indivíduo autónomo, sem identidade cultural, Bateson realça os padrões que relacionam, as comunicações que constituem a vida de todo um sistema natural / social do qual o indivíduo é um membro activo, e os perigos com os quais os humanos se defrontam quando os seus processos de cartografia conceituais (o que ele chama "memória determinante") são incapazes de dar conta das comunicações que sinalizam a condição da ecologia da qual eles estão dependentes. Como afirmou Bateson, "assim, em nenhum sistema que apresenta características mentais pode qualquer parte ter controlo unilateral sobre o todo. Por outras palavras, as características mentais do sistema são imanentes, não em alguma parte, mas no sistema como um todo". (Steps to an Ecology of Mind, pág. 316) A sua declaração, "a unidade de sobrevivência evolutiva vem a ser idêntica à unidade mental", pág. 483, ("the unit of evolutionary survival turns out to be identical with the unit of mind") tem um forte eco na cultura de povos primitivos onde as práticas humanas e o mundo natural são entendidos como moralmente interdependentes.
 

Ainda que seja tentador continuar a discutir como uma consideração de culturas ecologicamente sustentáveis nos permite reconhecer esses aspectos do nosso próprio sistema de convicções que estão contribuindo para a destruição do nosso habitat, é necessário voltar a atenção, mais directamente, para o problema de saber se o uso dos computadores está, ou não, realmente, nos ajudando a entender a crise ecológica de um modo que não perpetua a mesma atitude mental que tem sido um importante factor no seu agravamento. De certo modo, a acumulação de mais dados sobre a extensão dos danos ambientais e a produção aperfeiçoada de modelos de computador das alterações nos ecossistemas tornam-se uma distracção para não se endereçar o verdadeiro desafio — que é começar a tarefa extremamente difícil de mudar as fundações conceituais e morais das nossas práticas culturais. Já sabemos que a tendência que reflecte as exigências das sociedades no habitat é ascendente, e que a  tendência que reflecte a capacidade de sustentação dos sistemas naturais é descendente. Mais dados processados no computador podem permitir predizer com maior precisão quando vamos cruzar certos limiares irreversíveis. Mas isso não servirá de muito se não pudermos inverter as exigências feitas por culturas cujos sistemas de convicções representam o ambiente como um recurso natural e a falta de dados como o que, unicamente, limita as escolhas do Homem. O desafio é, agora, dar conta do nosso próprio fundo cultural assumido inconscientemente, e desenvolver novas tradições de narrativa que representem os humanos como membros interdependentes das redes de comunicação e cadeias alimentares que compõem os ecossistemas.

 

 

Computadores, o Ambiente, e Educação

 

O uso dos computadores em contextos educativos parece ser onde a questão crucial pode ser mais claramente colocada. Como o software educacional, que vai desde bases de dados a programas de simulação, foram escritos por pessoas que estão firmadas na atitude mental Cartesiana / liberal (dados objectivos, indivíduos autónomos que constroem as suas próprias ideias, natureza progressiva da mudança racionalmente dirigida e das inovações tecnológicas, e o pressuposto que assume a neutralidade da linguagem) pode ser prematuro chegar à conclusão que os usos educacionais dos computadores podem somente reforçar a atitude mental Cartesiana, que ajudou, paradoxalmente, a criar uma forma de autoridade tecnológica que contribui para a possibilidade da nossa própria extinção. Como Theodore Roszak nos mostra, a relação básica no uso educacional de computadores envolve a mente do estudante que se encontra com a mente da pessoa que escreveu o programa, e os processos mentais que estabelecem o que constitui os "dados". Se o pensamento com qual os estudantes se deparam, mediados, obviamente, pelas características de amplificação da tecnologia do computador, nunca considerou os aspectos da experiência humana / cultural ignorados pelo pensamento Cartesiano, será impossível, aos estudantes, escreverem um programa que tem em conta os significados culturais mais profundos. Ou, ainda, será impossível enquadrar o processo mental de um modo que permita aos estudantes reconhecer que a linguagem e o pensamento são influenciados pela matriz do conhecimento de um grupo cultural.
 

A relação íntima entre computadores e a consciência associada à tecnologia escrita (representativa, NT) torna impossível representar os processos mentais de outros grupos culturais de uma forma sob a qual os estudantes poderão entrar em seus padrões de conhecimento de um modo inconsciente. Como Eric Havelock e Walter Ong apontam, a impressão faz com que o que é representado apareça como dados — abstracto, descontextualizado, e apreendido racionalmente. Mas deveria ser possível afastarmo-nos um pouco dos aspectos mais absurdos da atitude Cartesiana, reforçados pelo discurso que assenta na representação. Programas de software que ajudem a compreender a natureza da cultura parece ser um passo na direcção certa, não só em termos de entender as fundações simbólicas sobre as quais o pensamento e as práticas sociais se apoiam, mas também em termos de reconhecer que a cultura é parte da crise ecológica. Um aspecto da cultura que precisa de ser compreendido, o que seria um prelúdio para considerar sistemas de convicções e de valores comparados, é a natureza metafórica da linguagem. Particularmente importante seria entender como as metáforas de base de um grupo cultural (para nós, uma imagem mecânica da Natureza) influenciam o processo de pensamento analógico (i.e., a escolha de metáforas geradoras) e conduzem à existência de metáforas modelo, que codificam os processos de pensamento analógico mais precoces. Metáforas modelo tais como "dados", "inteligência artificial", e "memória do computador", são exemplos deste processo de codificar formas iniciais de pensamento analógico, as quais, por seu lado, foram influenciadas pelas metáforas de base assumidas inconscientemente naquela altura. O modo como a natureza metafórica da língua dispõe a organização mental para pensar torna-se especialmente importante para o processo de reconhecer como o pensamento actual sobre a crise ecológica é moldado em grande parte pelas metáforas centrais do pensamento Cartesiano. Considerar o idioma como codificando o processo mental analógico também traz outros aspectos da cultura em consideração: o modo como pessoas na nossa própria história pessoal, bem como membros de outros grupos culturais, têm visões diferentes da realidade, o modo como o passado pode influenciar o presente a um nível inconsciente, e o modo como o indivíduo vive, de facto, dando uma expressão individualizada aos padrões culturais compartilhados. Tornar-se consciente da dimensão cultural, convém não esquecer, é só o primeiro passo num processo que tem de empreender eventualmente o mais difícil problema político que é definir os padrões culturais que são ecologicamente sustentáveis a longo prazo.
 

Há uma outra linha de desenvolvimento, no que toca ao software educacional, que pode valer a pena explorar. Isto poderia envolver o uso de simulações de resolução de problemas moldadas em função dos padrões de pensamento de outros grupos culturais que viveram tendo em conta a capacidade do seu  ambiente (isto ajudaria os estudantes a reconhecer as suposições culturais que ignoram o problema da interdependência a longo prazo) e o uso de simulações que considerem o impacto ecológico futuro das nossas suposições sobre a vida humana, o progresso material e tecnológico, e o controlo racional do ambiente.
 

 

A Pobreza Moral da Era da Informação

 

Com as sociedades do mundo inteiro colocando exigências crescentes aos sistemas biológicos que estão dando sinais de rotura e declínio, o aspecto mais crítico do problema — pelo menos em termos das raízes humanas / culturais da crise — é mudar as metáforas de base que estão na origem do nosso sistema de valores Ocidental. Por exemplo, consideração séria deveria ser dada ao argumento de Aldo Leopold, no qual uma ética da terra deveria substituir o antropocentrismo nos sistemas de valores que agora geram as decisões individuais — incluindo o modo como utilizamos a tecnologia. Muito sumariamente, ele argumenta que uma consideração ética da nossa interdependência em relação ao ambiente, se tomada seriamente, deveria conduzir a "uma restrição na liberdade de acção na luta pela existência". Restrição em mim por respeito aos outros, em que "outros" é entendido como incluindo toda a "comunidade biótica", é agora um imperativo para a sobrevivência humana, dada a dimensão da população humana no mundo e a extensão das suas capacidades tecnológicas.
 

O que isto vai significar, quanto ao modo como usamos os computadores, não é ainda totalmente óbvio, mas um aspecto que agora parece irrefutável é o futuro possuir uma dimensão moral que é ignorada pela aparência de uma "Era da Informação". As dimensões morais da crise ecológica remetem-nos para um tema central nesta discussão: nomeadamente, "dados" e modelos simulados tendem a esconder os níveis culturais mais profundos. A transmissão da cultura, que acontece sempre que um sistema linguístico é usado como parte de um processo de computação, aponta para a necessidade de considerar as orientações culturais que estão sendo reforçadas por esta tecnologia, e para a questão de saber se isto faz parte da solução ou parte do problema. As consequências de assumir estas preocupações seriamente são de tal modo importantes que é necessário que ocupem um lugar proeminente em considerações futuras sobre o uso educacional dos computadores e na compreensão da influência desta tecnologia na evolução social.

 

 

Tradução de João Gonçalves

joaovox-at-yahoo.com

 

o texto original em

How computers contribute to the ecological crisis
 

 

 

v  lt  r     -     b  ck     -     r  t  ur