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POR TERRAS
DE RIBA D'ALVA

 

A propósito do livro
de José Ramiro

 

- FRANCISCO ANTUNES -

 

Como na devida altura noticiámos foi na Casa da Cultura, em Oliveira do Hospital, que José Ramiro, natural de Chão Sobral, lançou o seu livro, intitulado «História, Lendas e Contos do meu Chão», acontecimento ocorrido no dia 17 de Setembro.

Incumbiu-se da respectiva apresentação, o dr. Francisco Antunes, médico e homem de cultura, cujo texto passamos a transcrever:


Citela, pardinota e... labricho.

  Não, não se assustem! Não é conjuro, lobishomem ou gato preto...

  Pois bem, é nossa firme convicção que as Terras de Riba d'Alva são um precioso arcas onde jazem tesouros inimagináveis que urge preservar. A riqueza paisagística, o património arquitectónico, a etnografia, a linguística e, acima de tudo as suas gentes, o seu povo, a sua cultura. Tantas e tantas preciosidades que era premente estudar, antes que desapareçam... um povo sem História é um povo que morreu. A toponímia, os arcaísmos que se descobrem, são verdadeiramente fascinantes.

  Mas, permitam-me um ligeiro intróito ao «palavreado» que se vai seguir.

  A História que, oficialmente, nos foi ensinada e relativa à Península Ibérica, leva-nos a supor que os primeiros habitantes teriam sido os Iberos, os Celtas, os Lusitanos, etc, etc. e que o nosso «mundo» teria começado há quatro ou cinco mil anos.

  Neste momento, a estaca zero da ocupação humana no território peninsular, encontra-se na estação arqueológica de Ataporca, perto de Burgos - a quatrocentos quilómetros do nosso Alva - onde centenas de ossadas humanas são rigorosamente estudadas e datadas, oitocentos mil anos nos separam desses antepassados peninsulares. Saiba-se que no Kénia foram encontrados ossos de hominídeos com três milhões e meio de anos... um verdadeiro jackpot para a nossa memória.

  Aqueles antepassados eram nómadas, sobreviviam ingerindo frutos silvestres, caçando, pescando, comendo algumas ervas e, curiosamente, eram antropófagos.

  Decorreram dezenas de milhar de anos, começaram a utilizar pedras lascadas para as necessidades mais prementes, dominaram o fogo, milhares de anos depois, utilizaram a pedra polida, milha­res de anos depois, domesticaram animais, semearam e colheram cereais, inventaram a roda, descobriram os metais: o cobre, o estanho e o ferro. Aparecem as primeiras manifestações artísticas, pintando ou gravando na pedra, em ossos, cenas da sua vida diária, os animais que os rodeavam, ou símbolos das suas divindades; repare-se que esta «prosa» que demora dois minutos a ler, levou dezenas de milhar de anos na sua evolução e o velho Alva, muito velho mesmo, assistiu a tudo isto e até corria a cotas muito superiores às de hoje.

  No imenso relógio do tempo, as gravuras rupestres da Vide, os recentes achados dos Adoradores da Lua, o espólio da Lomba do Canho ou os castros de S. Romão ou do Colcurinho, são muito recentes. Em outros lugares do Mundo aconteciam situações análogas que através dos tempos deram origem a civilizações brilhantes: Assírios, Caldeus, Fenícios, Egípcios, Gregos e muitos outros foram os seus agentes, e que ainda hoje nos causam espanto e admiração, os Fenícios, por exemplo, foram excelentes navegadores e no ano 630 antes de Cristo, por ordem do Faraó NECAO II, contornaram a África, saindo do mar Vermelho, dobraram o Cabo e passados três anos entraram pelas Colunas de Hércules (Gibraltar) e chegaram novamente ao Egipto. Fenícios e Gregos navegavam nas nossas costas, estabeleciam feitorias e subiam o curso dos nossos rios na cobiça das enormes riquezas que na Ibéria existiam. Muitos deles fixavam-se e jamais regressa­vam às suas terras de origem. O antropólogo Moisés do Espírito Santo garante que houve uma presença duradoira de Fenícios na Beira Alta... em Alvoco de Várzeas, ouvíamos nós, há sessenta anos, uma velha lenda de um toro Minos (?) que guardava as matas... a «lendária lenda» dos Argonautas terem subido o Alva, será tão fantasmagórica?

  O que é certo é que então, como hoje acontece, os povos que migram, levam consigo, as suas divindades, os seus usos e costumes.

  Ponto final, parágrafo...

  Verão de dois mil e cinco, Aldeia das Dez. Uma das mais belas e floridas pedras preciosas das Terras de Riba d'Alva. Freguesia enfeitiçada... berço de mestres, canteiros, pedreiros, poetas e escritores; Mestres entalhadores, ferreiros, pintores e Mestres universitários, centenária banda de música e o mais belo santuário de toda a Beira, encerram com chave de ouro esta breve descrição.

  Nos últimos três meses deu à luz do dia, três livros de excepcional mérito: «Palavras Tecidas», de Viriato Gouveia, de quem Maia Teixeira disse «a sua bravura é ternura que nos sedenta de Serra». «Escuta Coração do Mundo», de Isabel Gouveia, poetisa-escritora de brilhantes louros académicos; e «Histórias, Lendas e Contos do Meu Chão», de José Ramiro.

  É sobre este que nos debruçamos pela simples razão do seu conteúdo versar um tema que nos apraz: a etnografia do Alva.

  José Ramiro é um antigo guarda florestal da Serra do Açor, onde gastou a maior fatia da sua vida. Poeta popular com a antiga quarta classe, o seu Parnaso é o Colcurinho, as suas musas, a Verdade, a Modéstia e o Rigor. O livro é uma pequena, mas brilhante monografia do seu Chão, Chão Sobral, pertencente à freguesia de Aldeia das Dez; o livro é uma pequena lâmpada de Aladino; abre-se e sai magia. Celtas, romanos e mouros. Lutas de baldios, guerras de carvoeiros, manhas e artimanhas dos nossos conterrâneos. E saiu-nos à memória o grande António Aleixo:

Nas quadras que a gente vê

Quase sempre o mais bonito

Está guardado para quem lê

Aquilo que lá não está escrito

Mil e uma noites seriam poucas para ler o que lá não está escrito. Os arcaísmos que se encontram são preciosos e os enigmas são fascinantes.

  Citela, pardinota e labricho, aparecem na quadra «Como chamavam ao gado». Eram pois, cognomes pelos quais cabras e ovelhas eram conhecidas pelos seus donos. Labricho terá a raiz em «lábio» e o pastor acrescentou-lhe o sufixo depreciativo iche. Será pois, um animal, de grandes beiços - beiçuda.

  Pardinota, será um animal pardo, cinzento, com o sufixo diminuitivo «ota». No entanto, quem há dois mil anos descreveu estes animais e as suas cores, foi o grande Columela, agrónomo romano natural de Cádis que nos legou doze livros sobre pecuária, agricultura, apicultura, fabrico de queijo, etc, e que ainda hoje são lidos e muito apreciados pelos especialistas. Não deixa de ser interessante como, animais descritos por aquele vulto, continuem a aparecer entre nós.

  E Citélia? o significado local é, magrinha, ágil. Sitélia com S tem vários significados. Com C coloco prudentemente a hipótese de ser uma corruptela da palavra grega Citérea, cognome da deusa Vénus, que se venerava na ilha dos Amores (Kithyra) a sul do Peloponeso. Serão restos longínquos de presença grega na região?

  Tapemos a mágica lamparina... até que algum leitor menos desatento a queira abrir. Seria um belo contributo para o melhor conhecimento das Terras de Riba d'Alva...

FRANCISCO ANTUNES

in “A COMARCA DE ARGANIL” – 2 de Outubro de 2005

 

 

 

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